quinta-feira, 3 de julho de 2014

46 anos de 36 minutos inovadores

 

Tiago Gaeta

Em junho de 68, há 46 anos, era lançado um dos discos mais inovadores da música brasileira. Estreia oficial de uma icônica banda do movimento tropicalista. “Os Mutantes”, de Os Mutantes. Mas essa história começou alguns anos antes, quando os irmãos Baptista, Arnaldo e Cláudio resolveram montar uma banda com Raphael Vilardi e Roberto Loyola. Cláudio, mas não é Sergio?! Pois é, resolvi começar do princípio para dar os devidos créditos ao irmão esquecido, que foi fundamental para toda sonoridade desse grande álbum. Mudando algumas vezes de nome, saindo Raphael, Roberto e Cláudio, que ficou atrás dos palcos e já anteriormente com a entrada de Rita Lee e Sérgio Dias, a banda fechou-se como Mutantes. O nome foi inspirado no livro de ficção científica “O Império dos Mutantes”. No ano de 66, o grupo musical ganhou notoriedade primeiramente ao participar de um programa de televisão exibido pela TV Record, e posteriormente ao participar da gravação de algumas músicas e festivais ao lado de pessoas como Gilberto Gil e Caetano Veloso, que trouxeram o tropicalismo para Os Mutantes.

O álbum, apesar de estampar na capa os três mutantes, é um trabalho de muitos artistas. Com arranjos do maestro Rogério Duprat, um dos principais responsáveis por moldar a sonoridade da Tropicália, foi possível um disco bem construído e criativo harmonicamente. O experimentalismo é uma característica marcante de todo o álbum, que utiliza grandes mudanças de ritmo e objetos não convencionais para a composição de todo atmosfera sonora. E, entre as músicas executadas no disco, muitas foram compostas na parceria de Caetano e Gil, mas há ainda versões de canções de John Phillips, Françoise Hardy, Jorge Ben Jor e outras originais da banda. O suporte de instrumentos e efeitos teve grande contribuição do irmão Baptista, Cláudio César Dias Baptista. Sabe aquele som gritado pela guitarra em Bat Macumba? Foi desenvolvido por ele, em um pedal que utilizava o motor de uma máquina de costura. Além disso, CCDB, como assinou posteriormente nas produções e vendas de seus equipamentos musicais, construiu a famosa guitarra de ouro. Numa época onde não se produziam boas guitarras brasileiras e a importação era muito inacessível, Cláudio César, a pedido de Raphael Vilardi, ficou encarregado de construir a melhor guitarra do mundo. Com certa experiência em construir guitarras, ele então fez todo o trabalho com duas. Uma como protótipo para fazer os testes, e outra para aplicar o que tinha dado certo. Com todo material folhado a ouro, entregou a definitiva para Raphael e fez uns ajustes para presentear seu irmão Sérgio com a outra, guitarra que o acompanha até hoje. A peculiaridade desse instrumento é um símbolo tanto sonoro como visual da banda.




Voltando ao disco, ele é iniciado majestosamente com a faixa Panis Et Circenses. A música é uma composição de Caetano Veloso e Gilberto Gil, e tem o título em latim já deixando claro sua crítica ao “Pão e Circo”, política adotada na roma antiga para não deixar o povo insatisfeito com os governantes. Nitidamente, a música faz uma crítica ao governo vigente, no caso a ditadura militar. Fora a letra, elementos sonoros completam a mensagem e enriquecem a canção. A própria introdução é uma referência à abertura do “Repórter Esso”, radiojornal e depois também televisivo, que ficou famoso por ser um dos primeiros noticiários brasileiros. O programa caracterizou-se por pregar os ideais norte-americanos na América Latína, além de ter como patrocinador a “Esso”, marca que no Brasil representava na Standard Oil Company, de nada menos do que John Rockfeller. Mais para o final do disco, se ouve um efeito de que ele está parando de girar, em seguida ouvimos uma família jantando.

A segunda faixa é Minha Menina, música composta por Jorge Ben Jor, que também participou gravando o violão. Mesmo assim, percebemos toda a identidade “mutante” presente na música, que traz uma canção única com ritmo contagiante.

A terceira faixa é Relógio, de autoria da própria banda e apresentada de forma bem psicodélica. Depois vem Adeus Mária Fulô, originalmente de Sivuca e Humberto Teixera, que foi adaptada do baião para uma sonoridade puxada mais para o experimental. A próxima faixa é Baby, composta por Caetano Veloso e apresentada de forma descontraída como uma bossa nova com distorção, teclado e efeitos. Ainda temos a irreverente sátira Senhor F, que foi composta pela própria banda também.

A oitava faixa é Bat Macumba, uma composição também de Caetano Veloso e Gilberto Gil. A letra da canção forma um poema visual que faz referência junto com o título entre o Batman e a cultura afro-brasileira, o que também fica claro na união entre o ritmo candomblé e as misturas sonoras tecnológicas.

O disco é completado pelas faixas Le Premier Bonheur du Jour, Trem Fantasma, Tempo no Tempo, todas muito bem exploradas por elementos sonoplásticos e utilizando da criatividade presente no disco todo. A última faixa é Aves Gengis Khan, da própria banda. A música consta, basicamente, de um único tema repetido de maneiras diferentes, recheado de psicodelia e vozes invertidas para completar a canção. Até o pai dos irmãos Baptista participa com sua voz no meio da música.

Os Mutantes com certeza são uma das grandes referências mundiais para o rock psicodélico, tendo esse primeiro disco como um grande marco para a música brasileira também. E é por isso que em sua lista de admiradores figuram pessoas como Kurt Cobain, Sean Lennon, Björk, eu e acredito que você também. E se ainda não conhece, escute!

Nenhum comentário:

Postar um comentário